Senhor Presidente, encomendar um estudo à Lincks Associados, para legitimar uma decisão previamente tomada, é querer lançar poeira nos olhos dos eleitos e dos munícipes. Coerente, era assumir a concessão a terceiros da recolha dos resíduos sólidos no concelho de Viseu, como uma opção ideológica, na linha do que o Governo ultra liberal de que fez parte quis fazer com as águas e consumou com a venda da empresa pública EGF que geria os equipamentos do tratamento do lixo dos grandes centros urbanos.
Invocar como razões de fundo para a entrega a privados da recolha dos resíduos sólidos urbanos (vulgo, lixo) no Concelho, o custo das reparações dos veículos, a sua proveta idade e a falha na recolha em alguns giros em dois dias do mês de junho e quatro dias do mês de julho, é uma desculpa esfarrapada que não cola com a realidade.
Ao contrário do que dizem, é exatamente a idade dos veículos a prova irrefutável da intencionalidade da alienação do serviço público de recolha de resíduos sólidos por parte da Câmara de Viseu. Se a aposta fosse manter e melhorar o serviço público de recolha de lixo, teriam contemplado na planificação orçamental dos últimos dezasseis anos, incluindo dos últimos três, a aquisição regular de novas viaturas que, sem sobressaltos nem quebras de operacionalidade, fossem renovando a frota do setor. O concurso demora um ano? Nesse período podem alugar-se as viaturas em falta, sem alienar o serviço público. Foi assim que procederam concelhos de média dimensão, como o nosso. É que nem podem invocar para a falta de investimento em novos carros de recolha os custos financeiros da operação. Os 755 mil euros como custo de novos veículos são menos de 2,5% do propalado saldo de 30 milhões do município. A dividir por três anos, eram trocos.
Assim é mais convincente, deixam-se cair de podres os veículos para se arranjar um alibi falacioso para a privatização.
Também o argumento das “falhas graves na recolha” nos giros 7, 8, 2 e 5 e da falta de pessoal nesta área municipal (e nos giros da Ferrovial nunca houve falhas?), caiem por terra ouvindo os diretamente implicados. Questionados por mim sobre o assunto, trabalhadores da recolha do lixo dizem não haver diariamente falta de pessoal, bem pelo contrário, podendo ter ocorrido pontualmente alguma dificuldade resultante da coincidência das férias e de eventuais folgas. Havendo um veículo operacional, afirmam, é possível fazer sempre a recolha nos giros, desde que as equipas de serviço ao camião sejam substituídas quando terminam o seu horário. Vai ser dessa forma que a empresa privada vai trabalhar. A falha na recolha nos dias referidos não se pode imputar às avarias nem à falta de pessoal.
Vale tudo para dar corpo à conclusão encomendada à Lincks Associados de “que a gestão de resíduos efetuada por administração direta é incomportável”. Curiosamente, a citada consultora cai em contradição quando considera que o eventual investimento em novos veículos por parte do município demoraria seis anos a amortizar, sendo que o custo de recolha seria mais caro que o valor atualmente pago à AMRPB. Os gestores da Ferrovial devem estar com as orelhas a arder, pois vão ter apenas 4 anos para amortizar o seu investimento (2017-2021) e mesmo assim aceitam. Viva o altruísmo capitalista.
Como se não tivesse um valor social inestimável o fato de um Presidente da junta ligar para a Câmara a solicitar uma recolha extraordinária no dia da festa da padroeira ou de outro acontecimento excecional e com a privatização deixar de saber a quem se dirigir em caso de necessidade. Como se os postos de trabalho que a médio prazo se vão perder no concelho com a extinção do serviço (a proposta da Câmara não esclarece o destino a dar aos trabalhadores da recolha e é fundamental que o faça), não fossem importantes, tal como os impostos que esses trabalhadores aqui pagam.
Dirá que o município de Viseu está apenas a concessionar a recolha por um período limitado de tempo à Associação de Municípios da Região do Planalto Beirão, agremiação que tem funcionado como entreposto público para chorudos negócios privados, nos domínios da distribuição de água e da recolha do lixo. Mas é para ganhar tempo, como se afirma no estudo, até lançar o tal concurso internacional, que a Ferrovial ou uma sua congénere irá ganhar, desta vez já sem a intermediação providencial da AMRPB. A opção da Câmara é privatizar, seja qual for o cenário, abdicando do controle de qualidade do serviço público.
O PCP é frontalmente contra a alienação do serviço público de recolha do lixo, por razões ideológicas sim, por sabermos de prova provada que a lógica de prestação de serviço público às populações não se coaduna com os interesses privados, que têm na sua génese a procura de lucro sem contemplações com as necessidades dos que servem.
Quando da aprovação da criação da Empresa Águas de Viseu, o Senhor Presidente garantiu que não estava em causa a privatização daquele bem, considerado, tal como o saneamento e a recolha de lixo, um direito humano. Para quem tinha dúvidas do que então denunciámos, fica o exemplo. Com os mesmos argumentos gratuitos de falta de pessoal, de envelhecimento das condutas e das captações e por-aí-fora, se justificará também, mais cedo do que tarde, a privatização da água no município.
Viseu, 26 de Setembro de 2016.
A Eleita da CDU na Assembleia Municipal de Viseu
Filomena Pires