Somos hoje chamados a pronunciar-nos sobre uma proposta aprovada na Câmara Municipal, para reconhecimento de “Interesse Público Municipal na Regularização de uma Exploração Pecuária”.
Parece um procedimento trivial e de rotina. Mas não é. A começar pela enxertia do ponto na Ordem de Trabalhos, muito depois da mesma nos ter chegado às mãos. Trata-se de um pedido de reconhecimento de Interesse Público Municipal, o que deve obedecer a exigentes critérios, no caso presente, definidos no Decreto Lei 165/2014, de 5 de Novembro.
Quero antecipadamente declarar que não conheço o requerente, nada me move contra ele ou a sua actividade e que os juízos que farei de seguida se prendem exclusivamente com a intenção da defesa do interesse público, da legalidade, da verdade e da equidade do estado perante os cidadãos.
Os que defendem a aprovação da proposta poderão dizer que se trata de um procedimento para “regularizar” uma situação pontual, de uma empresa cumpridora.
Acontece que não é o caso, bem pelo contrário. Diz a técnica superior da Câmara Municipal que elaborou o parecer sobre o assunto, e cito: “os edifícios (da exploração pecuária) executados ao abrigo dos licenciamentos (de 1993 e 1994) não estão de acordo com os projetos de arquitetura aprovados. Os outros dois edifícios estão totalmente ilegais.”
E prossegue o mesmo relatório: ”a parcela de implantação insere-se em Espaço Florestal de Produção fora de qualquer “ enquadramento no PDM. O edificado não está de acordo com o previsto no nº1 do artigo 28º do regulamento do PDMV. Quanto à volumetria de um dos módulos, que tem dois pisos (sendo permitido apenas um piso)”. Não cumpre o afastamento mínimo de 50 metros às manchas de espaço florestal.” E por aí fora, para concluir a senhora Técnica Superior que: ”Estar (esta) operação urbanística habilitada a um indeferimento, por incumprimento de questões regulamentares do PDMV e de normas legais regulamentares aplicáveis”.
No entanto, no nº7 do referido Relatório dos Serviços Técnicos da Câmara, informa-se que o requerente solicitou à CMV “Deliberação fundamentada de reconhecimento de interesse público municipal, sob proposta da Câmara Municipal”. Para concluir no número 9 do parecer que tenho vindo a citar que: ”face ainda ao volume de investimento já executado pelo requerente… deve a Câmara decidir sobre a possibilidade de prosseguimento do solicitado pelo interessado, com vista à emissão da deliberação atrás referida.
No mesmo parecer, ao fundo página e com data de 5/2/2016, aparece uma nota manuscrita, com rubrica ilegível, despachando o reconhecimento do “Interesse Municipal”, baseado em quatro razões fundamentais e cito de novo: 1 - ”a laboração há mais de 15 anos da empresa naquele local; 2 – “um investimento de 600 mil euros”, feito pelo requerente, supõe-se que nos últimos 15 anos; 3 - o número significativo de postos de trabalho; 4 - os relevantes impactos para a economia do concelho de Viseu e as mais-valias em termos económicos e sociais”.
Ora, pela leitura da “Descrição e Justificação da Proposta para a Legalização da Edificação”, apresentada pela HS-engenharia/topografia, em nome do requerente, podemos ler que os pressupostos atrás relatados para deferir o processo, não correspondem à verdade. Senão vejamos. Ponto um - Quanto aos postos de trabalho, diz o parecer que a empresa emprega um significativo número de postos de trabalho. O que diz a “descrição” do requerente, ao fundo da página dois: “a empresa tem a seu encargo dois postos de trabalho a tempo inteiro correspondentes aos sócios da empresa… e contrata pontualmente pessoas pera apanha de frangos (depreendemos nós que de dois em dois meses, quando os animais saem para abate)”. Onde está então o “significativo número de postos de trabalho”? Alguém está a falsear a verdade. E quanto aos relevantes impactos para a economia do concelho, diz a mesma “descrição” apresentada pelo requerente que: “o volume de faturação nos últimos dois anos foi 118.245.87€". Chama-se a um volume de negócios de 59 mil euros ano de “relevantes impactos para a economia do concelho”? Quanto ao investimento de 600 mil euros, acreditando que ele foi efetivamente feito, uma parte terá sido aplicada a construir dois pavilhões, no ano 2000, completamente ilegais e clandestinos, como refere o relatório dos serviços de obras. Quer isto dizer, que alguém está a manipular os números e os factos para os pôr de acordo com as exigências da Lei 165/2014, de 5 de novembro e não me parece ser a empresa Pereira e Marques Soc. Avícola, Ldª.
Embora se possa argumentar que esta decisão tem enquadramento legal na Lei 165/2014, se ela vier a ser aprovada, o mínimo que se pode dizer é que, para esta empresa “o crime compensa”. Depois de passar mais de 20 anos a desrespeitar o conteúdo das licenças da Câmara, a construir clandestinamente sem qualquer licença, a infringir tudo o que é norma do PDM e de outras disposições regulatórias do ordenamento do território, toma lá como prémio o reconhecimento de interesse público municipal e a legalização de todos os atropelos à Lei e aos regulamentos. Corresponde minimamente há verdade esta deliberação? Se a Assembleia sancionar favoravelmente esta proposta, abrirá um precedente grave em relação a todos aqueles que construíram os seus barracões e casas de arrumos sem licença, aos que acrescentaram um quarto ou uma cozinha na parte de trás da casa, aos que construíram junto aos caminhos sem respeitarem as distâncias legais, aos que não limpam as zonas circundantes entre as suas moradias e os perímetros florestais, aos que não tiraram licenças, por dificuldades financeiras, para edificar as suas precárias moradias, aos que são penalizados por não legalizarem os ramais de água e saneamento, a todos cujas construções estejam em confronto com o PDMV. Porque é a Câmara que está a aduzir argumentos para sancionar flagrantes, grosseiras, afrontosas ilegalidades, em nome de um falso “interesse municipal”. Com base neste precedente, pode-se perguntar se é intenção da Câmara promover uma amnistia geral aos infratores do PDM?
Se for aprovada esta “aberração”, a idoneidade do Município ficará gravemente ferida, o princípio da equidade e da igualdade perante a Lei será violado, a autoridade dos fiscais municipais de obras cairá por terra, instalar-se-á a sensação de que neste Município há dois pesos e duas medidas. Não nos podemos esquecer que ainda na última Assembleia aqui aprovámos uma alteração ao Plano de Pormenor da área do Hospital, exatamente para legalizar o desrespeito de uma poderosa entidade pelo projeto e pelo licenciamento aprovados pela Câmara Municipal.
Para defesa do bom nome da Câmara e da Assembleia Municipal de Viseu, a minha proposta é que este ponto não vá a votação ou indo que seja votado contra.
Viseu, 29/02/2016
A Eleita da CDU na Assembleia Municipal de Viseu