O auditório da FNAC em Viseu, foi pequeno para acolher todos aqueles que quiseram ouvir falar da relevância dada, por Álvaro Cunhal, às mulheres, na sua vasta obra literária, plástica, de reflexão social e política.
A abrir o colóquio ouviram-se palavras escritas na obra Até Amanhã Camaradas, lidas por Filomena Pires, que assim abriu portas à abordagem feita por José Pessoa e Regina Marques. A diferença entre “…A mão da mulher do advogado, mimosa e de unhas pintadas…” e os “Braços desajeitadamente escorridos ao longo do corpo, o casaco preto afanicado e de mau corte…”, “…sapatos de modelo antigo e gastos” de Maria, personagem feminina central na obra emblemática de Álvaro Cunhal, deu o mote para o retrato ali esboçado.
Cunhal, esteve sempre com a luta das mulheres, com as mulheres trabalhadoras que retratou da forma como só um grande humanista, dotado de grande sensibilidade o poderia fazer.
A mulher é muitas vezes protagonista nos seus desenhos e segundo José Pessoa, é a memória de Eugénia Cunhal, sua irmã, a inspiração para retratos tão expressivos como aquela camponesa sentada de olhar fixo no infinito, cuja expressão é fortíssima e absolutamente impressiva. Fechado numa cela enquanto prisioneiro político nas cadeias da PIDE, só a memória poderia permitir esboçar formas ausentes do olhar. Todos os seus Desenhos da Prisão terão, de um modo ou de outro, as marcas deste isolamento que só a memória supera no realismo que se expressa.
Mesmo nos desenhos em que a personagem é colectiva, a mulher está sempre presente, lutando e trabalhando ao lado do homem, pois ela só pode aceder à emancipação se houver libertação para toda a humanidade, numa obra colectiva que é resultado da luta de todos pelo acesso a uma vida feita de dignidade. Ela é forte, corajosa, mas sobretudo feminina. Dança com levesa e graciosidade nas cenas de festa, faz parte de uma corrente colectiva na qual todos os elos são imprescindíveis.
Regina Marques, evocou a intervenção de Álvaro Cunhal na Conferência Nacional sobre “A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril”, realizada pelo Partido Comunista Português em Novembro de 1986, um marco incontornável na luta da mulher portuguesa pela sua emancipação. Nesta conferência, o então líder do PCP, destacou a importância de prosseguir e aprofundar o estudo, defendendo a necessidade de haver movimentos específicos das mulheres que se dediquem às causas femininas pois elas existem dotadas de especificidades próprias. Ele próprio terá acompanhado de perto este trabalho crente de que a emancipação da mulher é também a emancipação da humanidade e não basta estar de acordo com este princípio, ele deve ser vivido quotidianamente.
Abordando a sua tese de licenciatura “O Aborto, Causas e Soluções”, evidenciou mais uma vez que as mulheres não são um grupo homogéneo, neste como em todos os outros aspectos da vida. Lembrou o profundo respeito sempre manifestado pela família e pelo amor, as palavras belíssimas que na sua obra literária retratam o erotismo e a beleza, afirmando que ser comunista é ter uma visão do mundo onde o relacionamento humano ganha profunda relevância.
Em vários momentos a actualidade de Álvaro Cunhal foi sublinhada, nomeadamente quando se referiu às consequências que a austeridade tem hoje, sobre a vida das mulheres, ao perigoso retrocesso nos caminhos da libertação da mulher que constituem afirmações, como a recentemente proferida pelo ministro da Solidariedade Social, que remetem a mulher para um estatuto de menoridade e um papel assistencialista.
É que o sofrimento pode sempre transformar-se em luta por força de projectos de vida e de sociedade que promovam a justiça social e o respeito pelo ser humano. A luta das mulheres não é apenas uma questão de mudança de mentalidades, de desconstrução de mitos e preconceitos. Ela insere-se numa luta mais geral na qual todas as mulheres são chamadas a participar nas palavras do próprio Álvaro: “Mulher! Toma nas próprias mãos a conquista dos teus direitos!”, organiza-te, participa activamente, avança as tuas reclamações e objectivos, luta por eles, mobiliza todas as mulheres para a luta.
Com este apelo de Álvaro Cunhal mas profundamente actual se encerrou mais uma iniciativa no âmbito das Comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal no Distrito de Viseu. A divulgação de outras iniciativas a decorrer no mês de Maio podem ser conhecidas nos endereços: