A palavra “resgate” causa-me arrepios só da lembrança dos horrores sociais desses tenebrosos tempos. “Resgate” no caso presente, é mais suave, no sentido de negócio, transação, investimento público para usufruto privado.
A proposta de “resgate” financeiro do parque de estacionamento de Stª Cristina que a Câmara M. de Viseu traz hoje a votação, é legitima e prevista na Escritura de Concessão de 1998. Contudo, o mais elementar dever de informar o órgão deliberativo, recomendaria que as conclusões do Júri que avaliou as propostas e o caderno de Encargos do “Concurso Limitado por Prévia Qualificação” que atribuiu à Saba Portugal Parques de Estacionamento, S.A., que já detinha a exploração do estacionamento na cidade, a concessão desse negócio por mais 15 e 30 anos respectivamente, nos tivessem chegado.
Pode o senhor Presidente vir dizer que a verba para o “resgate” já estava prevista no “Concurso Limitado…” e que esta é uma operação a “custo zero para o Município”, que eu não estou a ver como. Então, se a Câmara, dos 3 milhões que diz ter recebido pela atribuição da Concessão vai entregar mais de 2 milhões à Saba, o negócio é a “custo zero”? O mais caricato e inverosímil em tudo isto, é que a SABA recebe 2 milhões de euros da Câmara e fica com o Parque de Estacionamento de Stª Cristina, imaginem, por mais 30 anos, exatamente o número de anos que faltavam para o términus do anterior contrato. Pode ser tudo muito legal, mas que é um negócio esquisito não restam dúvidas.
E quanto às afirmadas verbas consignadas para o “resgate” no “Concurso Limitado…” curiosamente (a febre das declarações para a comunicação social tem destas perversidades), dizia o Senhor Presidente à Agência Lusa, em 7 de Abril de 2016, que “o que terá de existir é meio milhão de euros à cabeça, que nos permite adquirir os edifícios do logradouro da Rua Silva Gaio…”. Foi por esquecimento que não falou da verba para “resgatar Santa Cristina”? É que, em Fevereiro de 2019, disse à comunicação social que quem ganhou teve de por à cabeça 3 milhões de euros, para a Câmara comprar o Parque. Sublinho, comprar o Parque. Então as condições do Regulamento do Concurso, que nunca nos foi fornecido, foram alteradas entretanto?
Mas não é a única contradição existente entre as declarações públicas do Senhor Presidente e o resultado do “Concurso Limitado por Prévia Qualificação” para o Contrato de Concessão, Construção, Exploração e Gestão do Estacionamento da Cidade. Dizia o Senhor na mesma entrevista de 7 de Abril de 2016, que “o Contrato de Concessão terá um valor previsto de 9,25 milhões de euros…”. Em 5 de Maio de 2019, disse à Comunicação Social que em resultado do “Concurso Limitado…” a concessão foi entregue à SABA por 3,25 milhões de euros. Em que fase do processo de concurso limitado se perderam os outros 6 milhões de euros? Será que a Saba, naquele processo do dá cá toma lá, recebe 2 milhões e deixa de pagar 6 milhões? Em face destas dúvidas elementares, é legitimo perguntar igualmente, se a verba inicial dos 9 milhões de euros não foi empolada somente para justificar o lançamento de um “Concurso Limitado por Prévia Qualificação” e deixar de fora empresas sem esse estofo financeiro para a operação? É do mais elementar dever democrático, que estes números e contradições sejam devidamente explicados à Assembleia e à população.
Também segundo as afirmações do Senhor Presidente já por mim citadas, tudo isto era para “estar em funcionamento no primeiro semestre de 2018, já com as ciclovias concluídas”. Como não há ciclovias, e o “resgate” atrasa o visto do Tribunal de Contas, projecta-se agora para o próximo ano e meio a entrada em funcionamento deste “negócio de milhões”.
Os anos que passaram entre o lançamento do “Concurso Limitado…” e a actualidade, deixam perceber que não existe um verdadeiro problema de estacionamento na cidade e que o objectivo fundamental que lhe está subjacente, não é bem resolver o problema do estacionamento nas zonas de maior pressão na cidade, nem facilitar o acesso ao centro, como diz, mas antes, proporcionar um bom negócio à concessionária, aumentando as áreas de estacionamento pago e o valor da tarifa e reduzindo as áreas de estacionamento gratuito, na Capitão Silva Pereira e junto ao Funicular.
Como é que se diminui o “número de carros no centro”, aumentando a capacidade de estacionamento no Centro Histórico? É uma contradição insanável. Como é que se melhora o “ambiente urbano”, destruindo árvores e zonas verdes e colocando carros no seu lugar? Tudo falácias para iludir incautos. É que o sistema de cobrança e controle até pode ser muito “inteligente”, mas vai sair caro, em termos ambientais e financeiros, aos viseenses.
Como é fácil de perceber, se o objectivo de promover maior rotatividade, menos poluição e pressão automóvel no centro da cidade, fosse sincero e uma preocupação estrutural, tinha-se elaborado um estudo e implementado medidas pedagógicas que estimulassem o estacionamento dos veículos vindos do exterior, na Avenida Europa, na Radial de Santiago, na Zona do Politécnico/Quartel, nas zonas que antecedem o Palácio do Gelo e outras (Feira de S. Mateus, Feira Semanal) que um estudo global devia equacionar, garantindo a Câmara a segurança dos veículos e o transporte para o centro da cidade, mediante cobrança de um bilhete aos auto transportados. O Executivo, apenas alvitra a possibilidade desse estacionamento fora da cidade, sem nenhum plano, sem nenhuma medida de estímulo, sem uma estratégia que possa convencer os automobilistas a experimentá-la. Nada, o que é preciso, ao contrário do que se afirma, é rentabilizar com mais parques de estacionamento pagos, incentivando à sua utilização, o negócio do estacionamento. Caso contrário, se a preocupação fosse o bem estar e qualidade de vida dos cidadãos e o ordenamento do trânsito para a preservação do ambiente, teria de prevalecer a perspectiva de serviço público. E para isso era necessário que a gestão e fiscalização do estacionamento fosse desenvolvida directamente por uma entidade pública (Câmara Municipal ou Empresa Municipal, com a fiscalização a cargo da Polícia Municipal), o que não está a acontecer.
O problema a que é necessário dar resposta na cidade de Viseu não passa pela construção de mamarrachos em zonas sensíveis do centro histórico ou na utilização de espaços verdes que deveriam ser transformados em lugares públicos de lazer e valorativos da actratividade do Centro Histórico, em meros veículos de lucro.
O verdadeiro problema da cidade não é a falta de parques de estacionamento, mas a falta de Parques Infantis, cuidados, com sombra, com aparelhos didácticos e de diversão adequados e inclusivos, onde as famílias possam conviver em ambiente descontraído e saudável. O Parque de Santiago tem aparelhos mas não tem sombras, o do Fontelo está encerrado, o do Parque Aquilino Ribeiro, sendo a única alternativa para as crianças e os pais da cidade, fica sobrelotado, sem capacidade de resposta para tanta procura.
Por isso senhor Presidente, no logradouro da Rua Silva Gaio, com vista privilegiada sobre o Pavia e toda a zona ribeirinha, o que faz falta é um Parque Urbano de Lazer, com Parque Infantil, que atraia pais e famílias ao Centro Histórico durante o dia, onde estas possam usufruir das sombras, da paisagem, da monumentalidade e da oferta dos produtos do comércio local, que não se resume, muito pelo contrário, aos inúmeros bares existentes. Uma “Via Pedonal para Carrinhos de Bébés e Cadeiras de Rodas” a começar no Centro Histórico, é que colocaria a cidade de Viseu na vanguarda do bem estar, não a banalidade da georreferenciação ou o pagamento do estacionamento com cartão.
Votarei contra esta proposta e não descansarei na denúncia deste atentado ambiental.
Viseu, 24 de Julho de 2019
A Eleita da CDU na Assembleia Municipal de Viseu
Filomena Pires