1. Está consensualizada entre os especialistas a tese de que, para assegurar uma eficaz gestão do estacionamento urbano e contribuir para um melhor ordenamento do espaço público, nas áreas de maior pressão automóvel, é necessário recorrer ao serviço de gestão e fiscalização do estacionamento, o que implica tarifar o estacionamento, para promover a rotatividade, condição essencial para garantir o acesso de todos ao espaço público e resolver o problema do estacionamento de longa de duração. Nada a opor.
2. No entanto, dizem os mesmos especialistas, quando se avança para um processo deste género é fundamental assegurar igualmente, a oferta de lugares de estacionamento gratuito nas zonas de entrada ("franjas") dos centros urbanos, dando oportunidade de escolha ao utilizador. Pagar para estacionar mais perto ou não pagar e estacionar um pouco mais longe do local onde pretende tratar do seu assunto.
Ora, o que vemos nesta proposta de concessão é exactamente o contrário desse entendimento. Reduzem-se os espaços de estacionamento gratuitos (Rua Capitão Silva Pereira, Rua Silva Gaio) com o único argumento de que estão subaproveitados, mas não se propõe nenhuma alternativa que não seja paga.
Seria expectável que a proposta que hoje discutimos englobasse soluções que privilegiassem opções pedagógicas e credíveis, dissuasoras da entrada dos veículos na cidade. É que havendo ou não maior rotatividade, os carros continuam cá, pressionando, poluindo, desfigurando. Há até quem prove que, quanto maior for a rotatividade maior será a poluição.
Para se atingir o objectivo de maior rotatividade, menos poluição e pressão automóvel no centro da cidade, é necessário que se implemente um serviço que estimule o estacionamento dos veículos vindos do exterior, na Avenida Europa, na Radial de Santiago, na Zona do Politécnico/Quartel, nas zonas que antecedem o Palácio do Gelo e outras (Feira de S. Mateus, Feira Semanal) que um estudo global devia equacionar. À Câmara competiria garantir a segurança dos veículos e o transporte para o centro da cidade, mediante cobrança de um bilhete aos auto transportados.
Esta é a prática de grandes centros urbanos e turísticos, como Florença e mesmo Lisboa com a utilização dos passes intermodais, que devia ser experimentada para a cidade.
3. Por outro lado, as políticas direccionadas para os residentes, pagando um valor simbólico de 10€/ano para ter a respectiva autorização de estacionamento, devia ser alargada aos trabalhadores de empresas instaladas no centro da cidade e aos respectivos proprietários, através da modalidade de avenças mensais com custos diários mais reduzidos.
No entanto, em relação aos residentes, acho que faz algum sentido que a atribuição do cartão de estacionamento esteja dependente do limite de 15% da oferta disponível na rua ou arruamentos/zonas adjacentes. O que acho que é despropositado e sem sentido é o horário definido para os residentes poderem estacionar nas Zonas de Estacionamento de Duração Limitada. Então os residentes só o são uma parte do dia? Os reformados ou até desempregados ou outros que permaneçam em casa têm de deslocar os seus veículos fora daqueles horários, para não serem multados? O que parece razoável é não existir horário limite, pois caso contrário vale mais não atribuir dístico para o arruamento A ou B (pelo critério da rotatividade) e disponibilizar lugares a tempo inteiro aos moradores em ruas próximas. É essa a prática corrente em grandes centros urbanos, como Porto, Lisboa, Loures, etc.
Mas tudo isto que acabo de dizer só reverterá a favor dos cidadãos, do ordenamento e do ambiente, numa perspectiva de serviço público. E para isso é necessário que a gestão e fiscalização do estacionamento seja desenvolvida directamente por uma entidade pública (Câmara Municipal ou Empresa Municipal, com a fiscalização a cargo da Polícia Municipal). Caso contrário, se avançar a concessão, como está previsto, deixaremos de ter um serviço prestado para assegurar o direito de todos a estacionar no espaço público, e passaremos a ter mais uma actividade cuja única e exclusiva finalidade é proporcionar lucro à empresa concessionária, difícil de conciliar com o objectivo de contribuir para um melhor ordenamento do espaço público e para a defesa do interesse real das populações. A que acresce uma gestão mais difícil de escrutinar, pois quem passa a deliberar é o Conselho de Administração de uma entidade privada que presta contas apenas aos seus accionistas. E as populações quando quiserem manifestar a sua opinião relativamente ao serviço, contestar o mesmo, deixam de ter um interlocutor na esfera pública. Com esta solução é também reduzido o papel da Câmara a mero árbitro, passando uma entidade privada a ter o controlo e a gestão por 15 ou 30 anos de uma vasta área do domínio público. A Câmara perde capacidade de intervenção ao nível da implementação de medidas pedagógicas e de bom senso, mais amigas do utilizador, como as que propus atrás.
Globalmente parece-me que estamos na presença de mais um bom negócio para uma qualquer concessionária privada, com prejuízos evidentes para o interesse público, ou seja, para vida das pessoas. Isto, como já referi, sem menosprezar a existência de um problema, em matéria de estacionamento, a que é necessário dar resposta na cidade de Viseu e que não passa pela transformação de estacionamento gratuito em estacionamento pago, pela construção de mamarrachos em zonas sensíveis do centro histórico ou na utilização de espaços verdes que poderiam ser transformados em lugares públicos de lazer e valorativos da actratividade do Centro Histórico, em meros veículos de lucro.
Esta proposta do Município de Viseu para concessionar a gestão de estacionamento na cidade faz supor, que o objectivo fundamental que lhe está subjacente, não será bem resolver o problema do estacionamento nas zonas de maior pressão na cidade, mas antes proporcionar um bom negócio à concessionária.
Viseu, 29/04/2016
A Eleita da CDU
Filomena Pires