Caros amigos, um calorosa saudação a cada um de vós, que aqui estais nesta iniciativa de homenagem a Álvaro Cunhal, Aquilino Ribeiro e a Amadeu Batista Ferro, democrata destacado desta terra.

Seria possível falar do papel de Álvaro Cunhal na luta, e na organização dos pequenos e médios agricultores e dos compartes dos baldios, apenas pelas suas palavras, pelo que escreveu, pelo que disse em inúmeros discursos.

Por exemplo, em Braga, a 30 de Novembro de 1974, afirmava:

“no tempo do fascismo, os pequenos e médios agricultores estavam completamente desorganizados e por isso não conseguiam defender eficazmente os seus interesses.

Sem organização, separados, divididos, os pequenos e médios agricultores não conseguiam, como não conseguem ainda hoje, defender eficazmenteos seus interesses e direitos.

Depois do 25 de Abril criaram-se em algumas regiões valiosas organizações de agricultores, como é o caso das ligas de Pequenos Agricultores e Cooperativas agrícolas.

O PCP apoia firmemente as organizações camponesas e luta e lutará pelo seu desenvolvimento”.

Ele sabia do que falava!

  1. Álvaro Cunhal estudou o desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa e particularmente a realidade do sul do país; no Contributo para o Estudo da Questão Agrária, da década de 50.
    1. Aí questionou, de forma veemente, a teoria, defendida pelo fascismo, de um país que sofreria do mal da “pobreza natural, provando que “por muito cómoda que seja, tal justificação, não é aceitável”. Teoria novamente tão em voga hoje em dia.
    2. Aí lembrou que parte das dificuldades da agricultura portuguesa estava em não se enfrentarem alguns dos caprichos da natureza, alguns dos quais apenas se combatem com seguros eficazes e a custo justo, de que já falou hoje o Senhor Presidente da Cooperativa Agrícola do Távora, citando mesmo Gil Vicente que em determinada altura definia assim os lavradores

Nós somos vida das gentes
e morte de nossas vidas”;

2. Álvaro Cunhal deu permanente atenção às questões dos pequenos e médios agricultores. No Rumo à Vitória, em 1965, que viria a constituir a base do Programa do Partido a aprovar no VI Congresso do PCP, a par de um desenvolvido capítulo sobre a Reforma Agrária, dedica particular atenção à necessidade da unidade entre o campesinato, com as suas características especícias em Portugal, e a classe operária.

No relatório do CC ao VIII Congresso, em 1976, Álvaro Cunhal dedica um um capítulo à luta desta camada, afirmando em determinado momento

“O Partido tem dado crescente tenção e apoio à organização e à luta dos pequeos e médios agricultores.

A evolução da organização e do movimento dos pequeos e médios agricultores, apesar das suas organizações completamente autónomas e não partidárias, está intimamente ligado ao trabalho do Partido para este sector.

(…)

Os agrários, os capitalistas e os seus partidos (CDS, PSD) desenvolvem uma intensa campanha de calúnias e mentiras contra o PCP acusando-o de ter uma política agrária contra os pequenos e médios agricultores. A verdade é que nenhuma outra força política mais que o PCP defende os interesses dos pquenos e médios agricultores.”

E, em entrevista ao JN, em 22 de Junho de 76, referia-se, revelando um largo conhecimento da realidade local, diria ainda:

“Nas regiões de pequena propriedade e de média propriedade, não há que ir depressa e, no fundamental, há que resolver para já aqueles problemas que são problemas vitais dos pequenos e médios agricultores. São problemas de crédito, são problemas de mercado, são problemas de ajuda técnica, são problemas de adubos, são problemas de impostos, são problemas de preços, são problemas de produção agrícola e pecuária, são problemas imediatos que necessitam de ser resolvidos muito antes de se pensar numa questão de reformas das estruturas agrárias no Norte do País”.

Essa atenção do PCP para os problemas da agricultura mantém-se até hoje. E é assim que, no Programa do PCP, aprovado do XII Congresso e agora alterado no XIX, consideramos que:

“A política agrícola e de desenvolvimento rural deverá ter como objectivos centrais o desenvolvimento e a modernização da agricultura portuguesa, a melhoria da vida nos campos, o aumento da produtividade e da produção agrícola, pecuária e florestal, a melhoria do grau de auto-abastecimento de produtos alimentares essenciais, visando garantir a soberania e segurança alimentares, o máximo incremento das produções em que Portugal possa dispor de vantagens comparativas e a manutenção do mundo rural. Esses objectivos centrais exigem:

– a realização da reforma agrária que assegure a transformação da estrutura agrária, com a liquidação da propriedade latifundiária e a entrega das terras a unidades colectivas de produção/cooperativas e a pequenos agricultores, com a melhoria da estrutura económico-agrícola das pequenas explorações, incentivando designadamente o associativismo de produção, com o reforço dos direitos dos rendeiros e a garantia da posse, uso e administração dos baldios pelos compartes

– a reestruturação dos circuitos comerciais e desenvolvimento de indústrias agro-alimentares e florestais;

– o apoio técnico e financeiro preferencial para a modernização das explorações dos pequenos e médios agricultores e cooperativas agrícolas;

– o aproveitamento e preservação dos recursos hídricos e agroflorestais do solo e áreas de uso agrícola; ordenamento florestal que privilegie o uso múltiplo, as economias locais e a função ambiental da floresta;

– o reconhecimento efectivo da especificidade da agricultura portuguesa com os consequentes apoios e medidas;

– a preservação da produção agrícola, a promoção de outras actividades económicas e o investimento na criação e renovação de infra-estruturas, serviços e equipamentos sociais que garantam a vida no meio rural.”

Ou seja, uma política para responder a uma exigência – defender a produção nacional. Num tempo marcado pelo imenso défice estrutural de produção de bens agro-alimentares, num momento de forte abandono dos campos e das produções, quando, pelas regras da Política Agrícola Comum e imposições da União Europeia, umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros sem que lhes seja exigida a produção de um grama sequer de alimentos, este é o caminho para agarrar as potencialidades produtivas de milhares de hectares que hoje ou estão  a monte ou mal aproveitados, com os impactos que tal poderia ter na agro-indústria a montante e a jusante.

Exigência, para combater a desertificação e o despovoamento das zonas rurais. Perante a expectativa cada vez mais evidente do desemprego - hoje em resultado da continuada política de direita e do Pacto de Agressão - foram muitos milhares os que abalaram e abalam das suas terras, em demanda de melhores condições de vida. Uma outra política agrícola, com rendimentos justos, permitirá criar emprego, fixar populações.

Exigência, para garantir a posse nacional dos campos portugueses e o aproveitamento adequado das capacidades dos solos, prevenindo, designadamente, os efeitos negativos da exploração intensiva , e também para garantir a utilização para fins agrícolas das infraestruturas entretanto conseguidas, com a exigêncai da sua manutenção e conclusão.

Álvaro Cunhal dizia no encerramento da Conferência Nacional do PCP “A via de desenvolvimento para sair da crise” que «em vez da política de desastre do Governo actual de que resulta que se produz cada vez menos e se deve cada vez mais, é imperiosa a adopção de uma política de que resulte produzir-se cada vez mais e dever-se cada vez menos.»

Ora Portugal tem um défice da Balança Agro-Alimentar que tende para os 4 mil milhões de euros. Temos produções em que somos absolutamente dependentes do estrangeiro.

Tomemos o caso do Trigo. Portugal produz cerca de 11% do trigo que precisa. Ou seja, ao fim de 40 dias Portugal, para cozer pão, tem que comprar trigo ao estrangeiro.

Veja-se que uma tal dependência pode provocar graves crises. Num caso de quebra na produção mundial e de consequente aumento dos preços (ou apenas do seu aumento especulativo) Portugal agravaria de imediato a sua dívida externa.

Dir-nos-ão mas Portugal não pode ser autosuficiente em tudo. Isso é verdade, mas, em primeiro lugar, é necessário lembrar que essa conversa já tem barbas e tem servido de justificação para todas as medidas de destruição da produção até ao momento em que ao contrário do que diziam antes se confirma que afinal há muitas potencialidades. Veja-se o caso do Tomate, do Milho, dos Hortícolas, do Vinho ou do Leite. Produções onde estamos a crescer. Mas vejam-se os casos do Tabaco ou da beterraba, que as decisões da UE não permitem que se produza, apesar das boas condições edafo-climáticas. Em segundo lugar, leia-se Álvaro Cunhal que, já na década de 50 afirmava que “há diferenças, sem dúvida, entre as várias regiões do globo, sendo umas regiões mais acolhedoras e fáceis do que outras. Nesse sentido Portugal não é um país pobre: se, em Portugal, nem tudo são favores da natureza, muitos são esses favores. Estamos tão longe de ter esgotado os recursos naturais que bem pode dizer-se mal termos nós ainda começado a aproveitá-los”.

Álvaro Cunhal dá-nos também alguns ensinamentos quanto à Política Agrícola que defendemos. Em primeiro lugar para nos lembrar que não há soluções mecânicas.

Temos que ter em conta que, ao longo dos últimos 30 anos, para além da política de pagar sem que fosse necessário produzir, de pagar para o abate de milhares de hectares de culturas diversas, se criou um ambiente de menorização das actividades no campo, a começar pela degradação dos salários e da diminuição dos rendimentos dos agricultores. Que levou à fuga de milhares de produtores dos campos. Mas os últimos números no INE dizem-nos que desaparecerem, no último ano 52 mil postos de trabalho na Agricultura.

Temos que ter presente os investimentos existentes em Olival Intensivo e super intensivo, em hortícolas, em pecuária. Temos que ter presente as áreas irrigadas que hoje existem e que não estão devidamente aproveitadas!

Mas temos também que ter em conta que muitos desses grandes empreendimentos do agro-negócio, de que a Ministra é hoje a principal embaixadora, são hoje propriedade de conglomerados sem rosto, que transferem a riqueza aqui criada para as sedes na Holanda, ou noutro paraíso fiscal qualquer.

É preciso ter presente que com o aumento vertiginoso da população mundial, a alta finança está a investir sobremaneira em terrenos agrícolas, em Portugal e noutras regiões do globo.

Ainda há dias se soube que o BES já adquiriu milhares de hectares de terras no Brasil e no Paraguai. Relatório recente do Banco Mundial calculou em 46,6 milhões de hectares, as terras adquiridas por estrangeiros nos países em desenvolvimento entre outubro de 2008 e agosto de 2009 – área superior a toda a região agricultável do Reino Unido, França, Alemanha e Itália.”

Ora neste quadro, o projecto do actual governo de resolver o défice da balança agro-Alimentar em valor é uma estratégia perigosa.

Porque com esse objectivo pode-se justificar a opção de autorizar o plantio de Eucalípto em zona de regadio. Ou achar que o facto de irmos ser autosuficientes em Azeite, mesmo que essa autosuficiência signifique a destruição dos campos onde está o olival super-intensivo e, por outro lado a falência do nosso olival tradicional.

Finalmente, na acção com os pequenos agricultores, nos dias de hoje, devemos sempre ter presente o ensinamento de Álvaro Cunhal em dois aspectos essenciais.

O primeiro é que a política dos sucessivos governos – de submissão acrítica aos ditames da PAC, e agora de claudicação perante uma reforma da PAC que insiste nos mesmos princípios e critérios,  nomeadamente de insistência na dita competitividade e de desregulação dos mercados, de entrega a milhões a quem nada produz, de venda a patacos das quotas nacionais de produção, de fazer vista grossa à especulação dos custos dos factores de produção, e agora de introdução de novas burocracias e obrigações fiscais,  de ataque à lei dos baldios, já hoje aqui referida, pelo camarada Agostinho Lopes, apenas para sinalizar alguns exemplos –, tem uma marca e um objectivo. A marca é a marca de classe. O objectivo é o favorecimento dos grandes agrários, da agro-indústria e do agro-negócio. Por cada pequeno agricultor que se perca deste lado, é mais um pouco que os grandes ganham!

E a segunda é que, também por isso,  é essencial que os agricultores se unam e se organizem e lutem, reclamem e defendam os seus direitos, estando assim a defender o nosso próprio país. Como referiu o Manuel Rodrigues no início, Álvaro Cunhal afirmou dizei vós o que quereis e o que precisais, organizai-vos e lutai.

Regressemos a um texto que já li atrás. Dizia Álvaro Cunhal sobre os “problemas vitais dos pequenos e médios agricultores. São problemas de crédito (a que preços e com que garantias conseguiria hoje um pequeno agricultor crédito para a sua exploração?), são problemas de mercado (quem não sabe as dificuldades que tem em escoar os seus produtos a preço justo, depois dos Governos do PS, PSD e CDS terem destruído todas as estruturas que existiam?), são problemas de ajuda técnica (olhe-se para a sangria de quadros no Ministério da Agricultura – o senhor Presidente da Câmara dizia-nos na sua intervenção que o Estado faz falta porque se trata da Saúde e da Educação, mas também se fala de serviços de proximidade do Ministério da Agricultura – e que leva, por exemplo a que o sistema de avisos seja hoje assegurado, em parte por gente voluntária. Mas veja-se ainda o crime que se está a cometer com a tentativa de destruição da Casa do Douro), são problemas de adubos (cada um de vós sabe bem que são cada vez mais caros e de menor qualidade e o mesmo podíamos dizer das rações e ainda por cima anda sempre a fiscalização em cima dos agricultores que usam os seus estrumes para adubar as terras), são problemas de impostos (e aí estão estas medidas de exigência aos pequenos agricultores de se colectarem e de passarem facturas para venderem meia dúzia de ovos), são problemas de preços (com a grande distribuição a esmagar os preços pagos à produção ou com os produtores do Douro que nunca sabem a que preço vendem, mas sabem que ano, após ano ser menor), são problemas de produção agrícola e pecuária (e nós sabemos quais os problemas que hoje existem com as doenças da floresta, das árvores de fruto, da vinha, e com as dívidas do Estado às OPP, pelo serviço público que elas presta)”. Podemos dizer quanta actualidade!

Por fim, queria apenas e só sublinhar que na luta pela alternativa patriótica e de esquerda, em que estamos empenhados, a luta em defesa da pequena e média agricultura é parte integrante e fundamental. Em tempos de aguda ofensiva do capital, política, social, económica, mas também ideológica, a vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal são um exemplo para prosseguirmos a defesa dos objectivos porque sempre lutou.

Moimenta da Beira, 26 de Maio de 2013

Intervenção de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP