Prestamos hoje aqui, em Moimenta da Beira, homenagem a Álvaro Cunhal inserida no programa de comemorações do seu centenário que este ano se celebra, num vasto conjunto de iniciativas em realização por todo o país. Associamos a estas comemorações o magistral escritor, intelectual democrata e combatente antifascista, Aquilino Ribeiro (esta manhã por nós homenageado em Soutosa), cujo romance Quando Os Lobos Uivam recebeu um prefácio de Álvaro Cunhal e ao mesmo tempo evocamos a memória do comunista, grande humanista, incansável combatente Amadeu Batista Ferro, que a estas terras dedicou o seu labor profissional e um constante combate como profissional, como intelectual e como comunista.
Nesta iniciativa de comemorações do centenário de Álvaro Cunhal vamos debater o tema «Álvaro Cunhal e a organização e luta dos pequenos agricultores e compartes dos baldios» fazendo a evocação dos grandes contributos de Álvaro Cunhal na organização e na luta dos compartes em defesa e pelo desenvolvimento dos seus baldios e a organização e a luta dos pequenos agricultores por melhores condições de vida e por uma agricultura dignificada e com futuro.
Álvaro Cunhal desde cedo se interessou pela questão agrária em Portugal. Preso pela terceira vez pelo regime fascista, entre 1949 e 1960, apesar das cruéis condições da prisão e da restrição de meios, escreveu as bases para o livro que mais tarde viria a publicar com o título «Contribuição para o Estudo da Questão Agrária».
Na introdução a esta obra pode ler-se: «Ao estudar a questão agrária em Portugal, numa época em que o fundamental dos dados estatísticos então existentes eram os do Inquérito Agrícola de 1952-54, do Censo da População de 1950 e de outros censos e estatísticas anteriores, Álvaro Cunhal procedeu a uma muito vasta e aprofundada caracterização e demonstração das leis do desenvolvimento capitalista na sociedade rural portuguesa. Demonstrou também com abundância de números e de fundamentos teóricos os níveis de expansão capitalista já atingidos, diferenciando-os pelas várias regiões, tal como resulta aliás da lei do desenvolvimento desigual dos espaços económico-sociais. E enunciou ainda as linhas previsíveis da sua evolução futura, já então em fase de intensa progressão»
No mesmo período, estudou também as lutas pela terra, nos finais da Idade Média em Portugal, na obra «As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média».
Nas suas obras literárias, em especial no romance Até Amanhã, Camaradas no desenvolvimento do trabalho do PCP na clandestinidade recria a luta dos pequenos camponeses, perante o arbítrio do poder fascista.
Mas a sua grande intervenção na organização e apoio à luta dos camponeses do Norte e do Sul dá-se depois do 25 de Abril.
A 29 de Dezembro de 1974 e a cinco de Janeiro de 1975, participa, respectivamente, na I Conferência de Camponeses do Norte (Porto) e na I Conferência de Camponeses do Sul (Santarém).
A realização da primeira conferência de camponeses do norte é indicadora da importância que o PCP sempre deu à organização e à luta dos pequenos e médios agricultores, dos rendeiros e dos compartes dos baldios. E, na primeira destas conferências no Porto, Álvaro Cunhal, numa curta intervenção inicial apelou: «Dizei vós o que é necessário fazer para defender os vossos interesses, o que é necessário fazer para resolver os vossos problemas. Tomai a solução dos vossos problemas nas vossas próprias mãos. Podeis vós próprios decidir do vosso futuro» e em Santarém, Álvaro Cunhal insistia na importância da unidade, da organização e da luta dos pequenos e médios agricultores, em defesa dos seus interesses e objectivos: «Temos que nos unir, temos que nos organizar».
A 10 de Julho de 1994, participou no Porto na III Conferência Nacional dos Baldios.
A participação nesta Conferência e a intervenção que ali fez mostram bem o interesse com que seguia também esta frente social, a luta dos compartes dos baldios em defesa da propriedade comunitária dos povos: «Hoje como sempre no passado, antes e depois do 25 de Abril, nas horas boas e nas horas más, os povos podem contar com o activo apoio do Partido Comunista Português na defesa dos seus direitos históricos à posse, uso, fruição e administração dos baldios».
Como Ministro Sem Pasta dos primeiros quatro governos provisórios a seguir ao 25 de Abril e Deputado na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República tomou as mais diversas posições em defesa dos pequenos e mèdios agricultores. A nova Constituição da República Portuguesa que ajudou a construir haveria de consagrar um importante conjunto de direitos também para os agricultores e uma organização democrática do Estado que definia a função social da terra, a propriedade comunitária dos baldios e o importante papel do sector cooperativo.
Infelizmente, a partir de 1976, sucessivos governos sempre do PSD, PS e CDS, fizeram a roda da história andar para trás e as grandes conquistas do 25 de Abril ficaram pelo caminho de um outro rumo que estas forças políticas traçaram para o país e que conduziu Portugal a uma situação de calamidade com a destruição do nosso aparelho produtivo e a perda de grande parte da nossa soberania alimentar.
Em muitas das suas intervenções Álvaro Cunhal advertiu, muitas vezes, para os perigos da nossa entrada no Mercado Comum, para o perigo da entrada em Portugal do FMI, para o perigo do aumento descontrolado da nossa dívida externa, para as consequências da destruição do nosso aparelho produtivo e da insubstituível função da nossa agricultura.
Como Secretário-Geral do PCP entre 1961 e 1992 lutou sempre para que o PCP tivesse uma constante postura de disponibilidade para ajudar os pequenos e médios agricultores e compartes dos baldios, na defesa da sua propriedade (contrariamente ao que as forças de direita sempre afirmavam tentanto virar os pequenos agricultores contra o PCP que os comunistas queriam tirar a terra aos pequenos e médios agricultores), no apoio à produção, na criação de condições para o seu bem-estar e desenvolvimento.
Uma grande razão para os pequenos e médios agricultores e compartes dos baldios se associarem a esta homenagem e terem presente o exemplo, a atitude e a notável intervenção de Álvaro Cunhal em defesa dos seus interesses.
Moimenta da Beira, 26 de Maio de 2013
Intervenção de Manuel Rodrigues, membro do Comité Central do PCP